A chamada desta notícia ("Acervo de Gilberto Freyre é digitalizado") chama atenção para o assunto que já é "natural" para nós: a digitalização de tudo, quase tudo. A necessidade ou não de ter acesso, com toda facilidade, a materiais dos mais diferentes tipos e fontes. Mas ao começar a ler, o que me chamou mais atenção foram estas linhas:
O escritor e antropólogo Gilberto Freyre (1900-1987) era um homem de pouco traquejo com a tecnologia. Só escrevia textos à mão, nunca aprendeu a datilografar e nem sequer manejava um telefone. Pelo que se tem registro, jamais usou uma câmera fotográfica.
Gostaria de pensar-escrever sobre isso: a nossa relação com a tecnologia, suas perdas e ganhos. Deixo bem claro que não quero convencer ninguém de nada, ou pender para um dos lados - afinal, se não fosse pela internet e o computador (acho que o movimento das minhas mãos também conta em algo), eu não estaria, em primeiro lugar, dividindo aqui estes devaneios.
Claro que Freyre morreu em 1987 e, creio, não teve nem idéia do que viria a ser um celular ou um PC. Mas o fato de não ter aprendido a datilografar ou usar o telefone - ou seja, lidar com utensílios de sua própria época - agrega à sua personalidade algo de curioso. Talvez ele simplesmente decidiu não "depender" (palavra perigosa) destes objetos, pois dizer que ele tinha dificuldade de datilografar, telefonar ou fotografar seria quase uma ofensa ao escritor de Casa Grande & Senzala e, havendo a dificuldade, por que escondê-la? Hoje sinto que todos são obrigados a se adaptarem a tudo que aparece - não somente a adaptação é requerida, mas somos obrigados a gostar de tudo e crer que tudo é extremamente útil em nossas vidas. Pelo amor de deus, eu posso morrer sem ter nunca tocado num tablet. Ok, estou discorrendo.
Acredito também que, por causa dessa tendência a idolatrar tudo que é "tecnológico e moderno" (?), as antiguidades (se já podemos nomeá-las assim) vão ganhando um certo ar de sofisticação, por contraditório que pareça. Conheço muitas pessoas que odeiam os efeitos especiais do cinema de hoje e são apaixonados por filmes de produção barata dos anos vinte - isso só pra citar um exemplo de milhares. Gadgets de iPhone que imitam o efeito envelhecido de fotos antigas. Toca-discos com entrada USB. É um esforço danado para tentar resgatar uma simplicidade que não alcançamos mais, e é isso que admiro na não-necessidade ou na pouca necessidade de tecnologia: a simplicidade. O caso de Gilberto Freyre é um caso à parte (imagino-o cansando o punho de tanto escrever), mas sua relação "instável" com a tecnologia não o impediu de lançar livros e colecionar muitas fotografias.
Com certeza é difícil abrir mão de toda a praticidade que a tecnologia nos traz hoje, mas tente, faça essa experiência: use um celular para receber e fazer ligações. Ligue a televisão para assistir a um só programa, aquele que você gosta. Tire fotos com uma máquina fotográfica. Parece que estou falando besteira, mas quem ainda usa um objeto pensando em sua real função? Ou melhor, quem ainda pensa antes de usar um objeto ou antes de usar a internet: é este o único modo de fazer o que quero e gosto de fazer?
Oi, Aline. Seu último parágrafo resumiu tudo para mim. Outro dia eu descobri que meu MP3 tem funções que eu nem imaginava. Meu negócio era só ouvir música. E a minha filha me dizende que eu deveria ter um MP9, 10, sei lá.
ResponderExcluirA lógica publicitária do incentivo ao consumismo é a sedução para termos as coisas, não necessariamente usá-las. E isso também não altera em nada os conhecimentos da gente, eu penso. Veja o caso da Tv: temos HDTV, MDI, USB, imagem digital e tantas outras coisas. E quando ligamos, o que se vÊ? Silvio Santos, Faustão, Gugu... Porcaria em alta definição, eu diria. Muito bom o artigo. Abraços. paz e bem.
Pois é, José Cláudio! De que adianta tanto desenvolvimento na forma se nem sabemos o porquê/para quê de tantas funções? Com certeza a publicidade influencia muito!
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, abraço!
Eu sempre quis ter um notebook. Ganhei um no fim do ano passado. Acho prático e tal, mas continuo preferindo papel e caneta pra começar a desenvolver uma ideia. E não me desfaço jamais das pilhas de papéis com meus rabiscos. Aquilo tem vida, sabe?
ResponderExcluirEsses dia me peguei com uma dificuldade imensa de escrever rápido em uma folha de papel....perdi a prática, estava quase desconhecendo minha caligrafia, credo, estou revendo minhas atitudes.
ResponderExcluirSeu último parágrafo me serviu quase como um tapa, há.
É Aline... vc me pegou. iauahauhaua
ResponderExcluirPor exemplo, eu uso a internet pra coisas que não devia usar, como conversas difíceis. Por mais que a tecnologia esteja aí pra ajudar, muitas vezes deixamos ela tomar conta de uma parte tão grande de nossa vida, que ela passa a atrapalhar.
=/
Gostei tanto do seu texto. Eu sou uma que vivo tentando viver num tempo que não é o meu. Compro discos de vinil. Ganhei há um mês uma máquina de escrever e um megadrive, sim, um megadrive novinho mas a imagem...rs
ResponderExcluirÉ engraçado essa contradição, eu vivo na internet e gosto muito dos benefícios que ela traz. Conhecer músicos super diferentes que não teria acesso não fosse a net, por exemplo.
Mas sim, temos que ter cuidado para que a publicidade não faça nossa necessidade.
bjo