terça-feira, 16 de agosto de 2011

Cada mergulho é um flash!


Quando a personagem da atriz Mara Mazan colocou o seu bordão no ar, em 2001, na novela O Clone (que, por sinal, está reprisando), "Cada mergulho é um flash!", fazendo apologia ao Parque Ambiental da Praia de Ramos, comumente conhecido como Piscinão de Ramos, projeto do Governo do Rio de Janeiro em conjunto com a Petrobras para abrir uma opção de lazer principalmente às crianças (porque o projeto tinha em vista reduzir a zero a quantidade de afogamentos), parecia que a farofa, essa instituição nacional, ganharia ares de requinte.
Ledo engano. Por mais que a Regina Casé, em um daqueles programas nos quais ela insiste em retratar a população da periferia (mas que, ao menos para mim, traz embutida aquela mensagem "Orgulhe-se do pobre que tu és e fique no seu lugar!") demonstrasse o quanto era legal ir à tal praia, suas reportagens pareciam mais exercícios antropológicos que insistem em mostrar o quanto os pobres são feios, mal educados, limitados, que merecem apenas aquilo, a verdade é que o buraco é mais embaixo.
Por mais que o fotógrafo Júlio Bittencourt leve suas fotos cuidadosamente trabalhadas a Nova York, não irá esconder, ao menos aos usuários do Piscinão, o quanto ele está deixado ao léu. Já em 1979, quando ainda era praia, o local apresentava altos índices de contaminação da água, algo que pareceu irrelevante às autoridades cariocas na concepção do projeto (em que poucas pessoas levantaram as vozes contra - afinal, é mais bonito uma Copacabana ou um Leblon sem favelados) e que continuou praticamente do mesmo jeito, só que com um pouco mais de glamour, proporcionado pelas câmeras e pelos flashes.
Tais "alternativas", tomadas pelo Poder Público, me fazem questionar: se o lazer é algo garantido pela Constituição, a qualidade do lazer também não está implícita nesse direito? 
Será que pobre também tem de ser pobre de cultura? O quanto o Poder Público é responsável pela marginalização de grande parte do povo?
É óbvio também que a população brasileira não é lá muito conhecida pelo seu zelo quanto ao patrimônio público, e enquanto a rua alaga e estão metendo a boca no mundo, está lá jogando lixo nos canais, mas é bom deixar claro que a presença de cocô nos 30 milhões de litros d'água que o Piscinão é capaz de armazenar, não vem dos bumbuns dos farofeiros, pois, como diz a notícia, na década de 70 o local já era reconhecido por ser depósitos de dejetos de outros milhões de bumbuns cariocas. Provavelmente da elite, porque pobre, na maioria das vezes, nem saneamento básico tem.
E pelo visto, nem lazer, tampouco.

10 comentários:

  1. Nossa, eu nem me lembrava mais da existência do piscinão de ramos!

    Realmente, foi uma coisa que não deu pra entender pq foi feita...

    No que diz respeito a poluição, aparentemente não é um problema apenas do piscinão, né? O tratamento do esgoto, e o despejo do esgoto que não é tratado no mar, em rios e td mais, é uma realidade nacional. Poucas cidades no Brasil possuem tratamento de esgoto... pelo menos é o q eu tinha visto da última vez que tinha visitado. =p

    E quanto ao estado do grande empreendimento "piscinão", acho que é evidente que não se trata apenas de um problema consequente do descaso das pessoas com o patrimônio público, o treco deixou de ter a visibilidade que tinha e o qual o compromisso do governo com aquilo que não proporciona visibilidade, né? =/

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  2. O interesse do governo, real interesse, é que o povão seja eternamente a massa mais pobre e sem informação, sejamos realistas.

    "Mas não pode dar muito na cara, porque temos as eleições, né? Então vamos fazer uma praia para eles, divulgar na novela que lá é legal, e eles nos deixarão por um tempo... e vão parar de ficar 'sujando' a imagem das praias bonitas, de gente bonita. Aí quando chegarem as eleições, nós damos meia dúzia de tijolos para eles, e eles votam de novo na gente. Em todo caso, para os engraçadinhos pseudointelectuais, a gente põe um palhaço, e eles vão querer 'protestar' e votar nele, então a gente arrasta mais uma galera lá para Brasília, por causa da quantidade de votos que muitos palhaços vão nos dar."

    E por aí vai.

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  3. É, a população brasileira gosta muito de reclamar e muito mais de destruir.

    Triste a situação do lugar, ein. Nem sabia que a coisa estava tão feia(nojenta) assim.

    Na década de 70 o bordão já era: "cada mergulho é um tolete" ??? Tsc!

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  4. A criação do piscinão de Ramos foi uma idéia muito boa!
    Fica na zona norte do rio onde a baía de guanabara não tinha corrente suficiente para se livrar dos bilhoes de cocos jogados pela zona sul e lá pairavam!
    Além de ser toda rasa como o Alisson falou e assim as crianças podiam brincar a vontade e os pais ficavam na praia despreocupados.

    Sempre tinha shows aos fins de semana, uma vez por semana era feita a limpeza, era lotado!!
    Era motivo de orgulho pra aquele povo, lá eles se sentem em casa.

    Sabe aquela coisa de você ser convidado pra um jantar chique com um cliente ou algum fodão da família e daí vc se sente deslocado? Não fica confortável, não se sente bem, não se solta, não sabe como agir, como comer, se pode rir ou falar palavrão?
    Assim eles devem se sentir indo à Copacabana e Ipanema.
    Praia é o lugar mais democrático do mundo, já dizia minha mãe, mas no meio dos gringos e de 1 cerveja ser 4 reais, eles ficavam pela zona norte mesmo na água poluída da Praia de Ramos.

    O abandono é por causa da troca de governo e tals... coisa que a população do Rio tinha que cobrar do novo governo!
    Tomara que cuidem....

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  5. Apesar dos vários aspectos do texto, vou me ater a um só:
    [i]Será que pobre também tem de ser pobre de cultura? O quanto o Poder Público é responsável pela marginalização de grande parte do povo?[/i] princípio, o "aculturamento" do povo era interesse governamental: afinal de contas, foi do enriquecimento e educação dos burgueses que veio a derrocada do feudalismo.

    Hoje em dia, ainda que houvesse mobilização no sentido contrário, considero extremamente difícil a desmarginalização.

    Existem projetos e trabalhos: crianças da favela que aprendem música clássica, por exemplo. Entretanto, fazer a grande massa de aculturados se interessar pelo exercício do intelecto seria algo muito difícil.

    A inércia sempre impera, e para rompê-la apenas provocando a necessidade.

    Difícil com tanta bolsa esmola....

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  6. Pode mudar o apelido para: Privadão de Ramos, que tal?

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  7. Concordo com a Lana. Parte do povo também quer é viver na "ignorância". Aí o governo se aproveita disso.
    Ontem estava pensando justamente na revolução dos burgueses... Que era uma classe, primeiramente, sem status diante do governo, mas que com as ideias de intelectuais da época, financiado para pensar por eles, tirou o poder do monarca soberano. O legitimado para governar, agora dependeria da anuência dos demais... Mas óbvio, houve um derramamento de sangue durante todo esse processo. Enquanto eles se firmavam na liberdade, "produção de dinheiro", a classe mais pobre (de recursos e títulos) lutou pela fraterndidade e igualdade. Mas a resposta está aí, o neoliberalismo impera, e a exclusão domina, só que os excluídos, acredito eu, se compõem de dois tipos: os que foram ensinados a comer o peixe, e uma (minoria) que gostaria de aprender a pescar, mas que jamais terão um barco.

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  8. alissom, muito boa a questão do seu texto. o pscinão foi criado no Rio e sua proposta foi muito questionada por conter um significado sectarista. sem contar que foi também uma proposta de "alternativa ambiental" que significou o retrocesso de políticas de despoluição. mas durante um tempo a população realemnte ocupou a área de lazer e o projeto acabou abandonado. só não entendi essa de "exercícios antropológicos". a antropologia não tem nada a ver com os progarmas da Regina Casé, principalmete com essa leitura (bastante válida aliás) que você tem desses programas. Faz parte do exercício antropológico sim, ( e ele é feito de uma maneira muito diferente do jornalismo) entender o outro através dele mesmo, de suas lógicas e das formas como ele se reprensta. mas ao contrário, isso NADA tem a ver com a noção de "conservação" ou "preservação", tipo manter cada grupo como está. ao invés disso, o exercicício antropológico possibilita justamente, através do diálogo e compreensão de outros universos a partir das referências deles e não do universo do antropólogo, reivindicar as mudanças, "melhoras" e renovações (preferencialmente fazendo sentido para aqueles que (se)pretendem mudar, porque convenhamos o período da colonização, felizmente acabou)

    em suma: os antropólogos não acham que a favela é ótima e tem que continuar como está, que a educação vai bem obrigada, que pobre tem que continuar sem saúde e com acesso totalmente restrito às formas de arte. Só acha ser possível agregar valores, ao invés de tratar as pessoas como uma lousa em branco que você vai lá e escreve seus princípios nelas. e em geral, antropólogos quando trabalham em comunidades tendem a agregar (através de elos com instituições de fora ou mesmo pela militância) as reivindicações locais.

    ah, esclareço que eu estou dialogando com as ideias colocadas acima e outras que tenho visto pintar por aí.
    um beijo para todos.

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  9. Paula, quando eu escrevi "exercícios antropológicos" não estava espinafrando os antropólogos, muito pelo contrário, estava criticando o tom de "verdade" e de "pesquisa" que esses programas - principalmente os da Grôbo - querem passar. Porque eles acabam contaminando o senso comum e ajudam a dar fermento aos estereótipos, porque passam a impressão "que é assim mesmo, não adianta mudar, é da natureza deles", quando na verdade, deveria ser algo totalmente diferente, como tu bem explicou aí. =)

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  10. ok, entendi, obrigada :D
    talvez tenha sido uma reação imediata por coisas estranhas que tenho lido na rede, em todo caso retiro qualquer possibilidade de tom conflitante, fica por conta da minha escrita mal redigida (antes que os trolls se empolguem rs). valeu mesmo!

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