quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A Comissão da Verdade (Verdadeira, por favor.)


O período de ditadura no Brasil é um tema pouco tratado pelos jovens aqui em Goiás... Quando resolvo falar sobre isso numa mesa de bar, não há muitos que saibam opinar. Talvez seja pelo fato de que muitos não tiveram familiares da geração passada envolvidos nas histórias tristes que foram escritas durante esse período. Eu mesma só fui saber sobre a ditadura militar quando achei um LP do meu pai, com uma reportagem antiga de um jornal dizendo onde supostamente estaria Geraldo Vandré, do hino "Para não dizer que não falei das flores" (que está no LP). Segundo a reportagem do jornal, após ser torturado, teria ficado louco. 

Isso era tudo o que os autores das violações cometidas neste momento histórico queria: o esquecimento sendo instaurado de forma tênue e discreta.

Mas atualmente está em tramitação no Congresso Nacional o projeto referente à Comissão da Verdade, que ao contrário do que dizem por aí, não servirá propriamente para punir os responsáveis diretamente. Na verdade, a Comissão pretende reconstruir a história vivida no período, trazendo à tona todos os fatos que ocorreram durante a ditadura militar brasileira, identificando os responsáveis pelos crimes cometidos, atuando na apuração de informações sobre supostos desaparecimentos, etc. Obviamente, os relatórios com as informações obtidas poderão ser entregues aos órgãos públicos responsáveis para que sejam propostas ações judiciais que visem responsabilizarem criminalmente aqueles que foram identificados como autores de torturas, homicídios, etc. (à esta altura, quero ver o que farão da Lei de Anistia, que é uma piada, afinal foi aprovada em 79, como uma forma de "autoperdão", suprimindo direitos que seriam consagrados na Constituição de 1988, ou seja, não faz o menor sentido! Essa lei já deveria ter sido revogada, a exemplo de outros países "mais atrasados da América Latina" que assim o fez).

A Comissão virá para retirar aquele manto preto que se mantém sobre as violações (graves!) dos direitos humanos, e que trará aos brasileiros (supostamente) a descoberta da verdadeira história que está sendo escondida à décadas, com a possibilidade de sepultarmos, finamente, os cadáveres que estão sob o piso de alguns órgãos públicos. Não somos uma democracia plena, devemos assumir isto. Não com votações secretas sobre os assuntos de interesse público, não com a lacuna histórica que se instaurou coercitivamente sobre a verdade vivenciada no período da ditadura. Fico indignada ao saber que ainda não houve a revogação da "nossa" lei de anistia. Aí me lembro que para ser ministro do STF, precisa-se da indicação. E minha indignação dobra.

Não consigo entender como muitos dos nossos representantes digam que a exposição da verdade, nos dias atuais, seria uma forma de revanchismo, um retrocesso. O acesso à verdade é um direito de todos os brasileiros, mas é um direito ainda mais evidente dos familiares que tiveram seus entes desaparecidos, mortos, ocultos.

Enfim, aguardo para saber com será o fim de todo esse processo de redemocratização proposto pela criação da Comissão da Verdade. Aguardo para saber se serão abertos os documentos "sigilosos", se os ex-guerrilheiros, militares e envolvidos serão punidos. Aguardo para saber se o texto atual sobre a Comissão (que dá o acesso, EM PARTES, ao direito à verdade) será mantido ou se as alterações feitas pela oposição, que busca efetivar plenamente o direito à verdade é que será consagrado...

A minha esperança é que a nossa presidente Dilma Rousseff se recorde do pesadelo que vivenciou e escolha BEM os sete membros que integrará a Comissão, consultando realmente aqueles que, imparcialmente, desejam saber o que foi e o que não foi durante a nossa história: os brasileiros que sofrem em viver numa democracia que tem, por exemplo, grupos de extermínio na polícia, espelhados no esquadrão da morte nascido na ditadura militar.

"(...)Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
(...)"
Geraldo Vandré

3 comentários:

  1. Bem antes, no início, Jango decidiu pelo exílio para evitar uma guerra civil, que seria certamente desastrosa e e cujas consequências seriam imprevisíveis, possivelmente piores ainda que a ditadura militar.

    É um assunto delicado, mas Lei da Anistia (por mais estranha que nos pareça) foi o caminho encontrado para o retorno da democracia.

    Sou contrária à sua revogação não por desinformação ou desinteresse, mas por realmente duvidar de quão certo seria isso.

    Acredito que todos tenham direito a memória, é um dever para com a própria história do Brasil. Devemos saber o que houve, entretanto, a Lei da Anistia faz parte um "tratado de paz". Não é certo desonrar esse tratado apenas porque devido à distância temporal e ideológica, a democracia não se encontra hoje ameaçada pelo Exército.

    Poderiamos ao invés da Lei da Anistia, ter partido, novamente, para a guerra civil, como recentemente fizeram os líbios contra Khadaffi. Seria uma forma de após reestabelecida a democracia processarmos criminalmente os captores, tendo como custo a paralização da indústria e comércio, enfraquecimento da economia, e todos os outros malefícios provocados por uma guerra civil.

    O Brasil foi um dos poucos países que fizeram a transição de volta à democracia de forma pacífica, e menos sofrível, e isso ocorreu graças à Lei da Anistia. Caso contrário, possivelmente seríamos apenas mais uma Colômbia na América do Sul.

    Punições exemplares para os mal feitores poderia ser feita através das urnas, mas pessoas como Romeu Tuma (um notório torturador do Dops) são eleitas até a morte, assim como José Sarney, que sempre foi aliado da situação, inclusive na ditadura.

    Os arquivos devem ser abertos. Não concordo com o sigilo nem dos documentos da ditadura nem do sigilo eterno de documentos vigente em nosso país.

    Qualquer coisa além disso considero errada, em virtude das escolhas que nosso próprio país fez no passado, e também porque diferente do pensamento do comunismo vermelho, eu não acredito que a história deva ser escrita com sangue.

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  2. Perdi dois tios por conta da ditadura. Um, guerrilheiro da VAR-Palmares, outro, sargento do Exército, morto em combate no Araguaia. Isso sempre foi um tabu na família, principalmente na materna, na qual a carreira militar foi o caminho pra fugir da pobreza, e que, de certa forma todo aquele discurso reacionário acabou sendo adotado. Desde que soube da história dos tios, busquei acompanhar mais ou menos de perto toda essa polêmica. Sou a favor da abertura dos arquivos, mas concordo com Lana quando a Lei de Anistia, por mais que ela protegesse mais o lado repressor, apesar de tudo, foi "ampla, geral e irrestrita", como, se esquecem alguns, defendida dessa forma pelo outro lado. Caso contrário nem teriam voltado pacificamente para, por exemplo, sair às ruas defender as eleições diretas. E, apesar de tudo, é constitucional (foi ratificada pela Constituição de 88). A abertura total dos arquivos possibilita que aprendamos com a História, e, mais uma vez, concordo com a Lana na forma em que podemos punir os verdadeiros mandantes daquela época (caçar arraia-miúda e expô-las em praça pública e apresentá-las como os torturadores e repressores sanguinários e cruéis é fácil, fácil demais), ficar fazendo estardalhaço simplesmente pedindo o fim da Anistia (para um lado só, como fica bem claro) é bem pouco inteligente.

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  3. Aprendendo com vocês. Eu pensei só no sentimento das famílias, de fato. Não analisei o aspecto do próprio fim do terror, no sentido de ter se tornado uma espécie de acordo de paz, um tratado que seria descumprido se houvesse a responsabilização individual, caso houvesse a revogação.
    É uma assunto delicado. Mas minha felicidade é saber que o texto teve comentários. E comentários excelentes, de peso, para mim.

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