segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A quem o sapato aperta


Neste último fim de semana, realizou-se, em Fortaleza, a 3ª Conferência Estadual de Mulheres, reunindo cerca de 800 delegadas de diversos municípios do Estado do Ceará com o objetivo de discutir as políticas públicas para o segmento em diversos eixos, traçar ações propositivas e eleger a delegação que levará à Conferência Nacional o resultado dessa discussão.

Para o espanto de muitas de nós, entre as delegadas estavam lá, alguns homens e travestis representando as mulheres de seus municípios e aqui nem vou tecer sobre a postura equivocada da Coordenadoria Estadual em se posicionar pela legitimidade dessas representações ao invés de reconhecer o erro de não ter orientado que apenas mulheres deveriam ser eleitas delegadas.

Muitos que leram até aqui devem estar questionando: “Mas qual o problema? Não é importante que homens e mulheres estejam juntos na luta contra o machismo e a opressão? Essas feministas... querem o oposto, inverter o preconceito!!!”. E eu lhes digo: não é nada disso.

É inegável também que as travestis precisam ser admitidas pela sua identidade social de gênero. Independente da questão biológica, elas se sentem mulheres e vamos caminhando, bem aos poucos, infelizmente, para que estas possam ocupar os espaços com a identidade que realmente as representa: a feminina.

O questionamento dessas duas representações, de homens e de travestis não é, em momento algum, uma retaliação pessoal às pessoas que ali estavam, mas a necessidade de reconhecer que quem deve discutir, elaborar e decidir sobre políticas para as mulheres são as próprias.

Um homem, por mais sensível e solidário que seja à causa, não tem propriedade para tanto. E não se trata de uma diferença imposta simplesmente pela genitália. Mas um homem jamais vai saber o que significa ser mulher, executar o mesmo trabalho que um homem e receber menos por isso, ou o que é dar conta de uma jornada de trabalho e ainda garantir os trabalhos de casa e cuidar dos filhos, ou ser vítima de violência sexual, verbal ou psicológica por conta da opressão masculina, de assédio no trabalho, ou ainda ser criminalizada pelo aborto, ser deixada morrer em muitos hospitais mesmo que seja nos casos previstos em lei, ou mesmo ser um objeto estereotipado de propaganda nas mãos da mídia, ou “simplesmente” discriminada enquanto dirige um carro.

Homens decidindo e representando mulheres, seria o mesmo que colocar brancos numa conferência para discutirem as políticas raciais, quando nunca sentiram o preconceito por ser negro. É como se colocassem padres – os mais modernos e libertários, se é que existem – para deliberar sobre as causas das travestis, discutir seus direitos e sua luta, quando nunca sentiram na pele o medo e o risco, ou mesmo as dores de serem espancadas, violentadas e mortas pela sua sexualidade, nunca foram motivo de piada ou escracho por usar batina. É questão de legitimidade, de propriedade, de saber e sentir onde o sapato aperta.

A luta é conjunta e que bom que todos e todas a abracem. Quanto mais estiverem desse lado, construindo o fim do preconceito e da opressão, mais passos daremos, mais fortes seremos. Mas os espaços precisam sim, ser respeitados, é preciso garantir o direito pleno à construção das políticas públicas por quem sabe o que sente e o que falta e as utilizará e isso não é uma contra-opressão. É a garantia de se sentir sujeito(a), de plenificar-se em direitos.

4 comentários:

  1. Precisamos fazer com que nosso país se torna uma nação.....urgente.

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  2. Então, até bem pouco tempo atrás, eu nunca tinha pensado nesse ponto de vista de tratar um travesti ou transexual como mulher, até a juiza anapolina inovar na aplicação da lei Maria da Penha.
    Por mais que seja estranho, pelo menos até eu me aprofundar no assunto, eu defendo a inclusão deles entre as mulheres nessas questões sim.Pq quase sempre eles passam pelos mesmos problemas que nós, mulheres. Violência por parte dos parceiros, pressão por submissão, etc e tal. Sem contar que muitas vezes as pessoas nem sabem que realmente não se trata de uma mulher.
    Pelo que li da decisão da juiza, é uma questão de gênero, e não de sexo. Eles se encaixam muito mais como mulheres, do que como homens. E até que a sociedade defina um gênero para eles, acho que por identificação, eles podem partilhar das causas e conquistas das mulheres.
    Quanto ao resto concordo inteiramente. =)

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  3. Eu fiquei pensando no que comentar, porque fica difícil tirar ou adicionar alguma coisa do seu texto, hehe.

    A questão dos travestis, concordo com minha irmã Ana B. , e até com conhecidos não-travestis, apenas homens homossexuais levemente femininos, vejo uma "equiparação" na discriminação por parte dos demais homens, tratando-os igual ou até pior do que fariam com mulheres.

    Fico preocupada com os direitos femininos, no Brasil e no mundo. No Oriente Médio e África, onde o retrocesso parece eterno, acredito que acabam puxando muito o resto do mundo subdesenvolvido para baixo, como se homens daqui usassem como desculpa para dizer: viu, vc poderia estar em situação pior!

    Há quem acredite que avançamos nos direitos, mas isso só se for comparar com lugares como Síria e Líbia mesmo... =/

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  4. Vamos esquartejando (por partes)...
    Nada a ver o envio de figuras masculinas para representar as femininas que não puderam comparecer.
    Entretanto, quanto aos travestis, tenho que dizer que discordo: suas cabeças são mulheres, certo? O corpo é que saiu errado.
    E eles sofrem 10 vezes mais o que as mulheres que vieram como mulheres naturalmente, já sofrem.

    O que defendo, na verdade, é acabar com essa palhaçada de dizer "direitos das mulheres" "direitos dos gays" tratar assuntos pertinentes aos problemas de determinados gêneros, afinal de contas, se o discurso colocasse de lado os gêneros e começassem a se voltar pelo respeito ao SER HUMANO, que é o que todos nós somos, de fato, o negócio ia ser diferente. O discurso é RESPEITO. Respeito pelo outro. Não precisa justificar: "ah, respeito por ser gay, por ser mulher, por ser o raio que o parta..." Respeito por ser outra pessoa, ponto. Não é uma extensão do corpo de ninguém, não podemos impor nada a ninguém. E nem beneficiar mais uns do que outros. Somos todos iguais, e vamos respeitar, respeitar e repitir isso até que fure (água mole em pedra dura, tanto bate...) porque segregarmos para nos defendermos por partes, no final das contas, está gerando mais repulsa entre os grupos sociais.

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