terça-feira, 8 de novembro de 2011

A Encruzilhada


Cada vez que eu ouço, vejo, leio uma notícia sobre a escalada do crack nas grandes cidades (e agora nas pequenas cidades e até em localidades rurais) lembro-me da minha adolescência, quando o grande ato de transgressão era fumar um baseado de maconha. Sim, porque beber "socialmente" não é tão transgressor (a não ser que a pessoa fosse de uma família extremamente religiosa ao ponto de proibir o álcool em casa) e quase sempre é incentivado. Então, fumar maconha era até atraente (como imagino que ainda seja) por conta dos rituais de aceitação social de determinados grupos, apesar do risco de pegar uma fama de "maconheiro", com direito a choro e ranger de dentes na sala, talvez uma surra e aos olhares indiscretos das tias velhas que diriam "Fulano tá inrolado cum tóshico".
O fato é que a imagem de um usuário de drogas era estereotipada e estava muito longe de uma visão mais humana (que uma parcela significativa da sociedade ainda insiste em não enxergar), de alguém realmente doente (neste caso, o viciado contumaz), parte de uma estrutura familiar na maioria das vezes tão doente quanto, extensão de uma sociedade também doente. 
E é aí que chegamos na encruzilhada: frente a essa escalada do crack, que possui uma dinâmica - como diz o pesquisador na reportagem - totalmente diferente de outras drogas e que envolve cada vez mais pessoas (até as que não consomem, como eu disse, a família entra no círculo do vício por outras questões) e até outros elementos econômicos como a desvalorização imobiliária (que pode ser até intencional, como denuncia a Associação dos Moradores dos Campos Elíseos, em São Paulo), como combater eficazmente isso?
Até porque o crack tem uma forma "camaleônica", por assim dizer. Se há o "paco", que se fuma como cigarros , aqui no Recife, por exemplo há uma variante, o chamado "viradão", no qual o mesmo ácido bórico que é usado para dilui-lo e ser enrolado na seda, por exemplo, é utilizado para transformar o crack em pó, e ser cheirado como cocaína. Daí, imaginem a balbúrdia que é, uma vez que o indivíduo chega no Pronto Socorro intoxicado pelo crack e pelo ácido bórico - que é usado comumente como formicida -, e a maioria dos profissionais não sabe lidar com isso. Não somente médicos, mas a polícia também e toda a estrutura de assistência social.
Tratar um viciado em crack como um bandido perigoso (quando na verdade quem mais corre perigo é ele, seja pela sua situação de abandono a qual se entrega, com os traficantes lhe cobrando - várias vezes acabam pagando com a vida - fora a própria saúde) é, no mínimo, hipócrita. Quantas vezes vimos um viciado em crack atropelar pessoas nas ruas, ou se negando a fazer o teste do bafômetro, como os motoristas que bebem deliberadamente e usam seus carros como armas? Tratá-los como endemoniados, como várias "organizações de apoio aos drogados", quase sempre de cunho evangélico (podem até fazer um bom trabalho, tirando a parte em que jogam fanáticos religiosos nas ruas), também não vai adiantar. O debate é amplo e para mim, a responsabilidade deve sim, recair no colo do Poder Público, uma vez que é questão de Saúde Pública, mas com a participação de todos.

4 comentários:

  1. Então, a dependência do crack é um assunto mais delicado, pq realmente está mais ligado aos problemas sociais do que a dependência de outras drogas.

    Concordo que não se deve tratar os dependentes de crack como bandidos, ainda que eles acabem cometendo crimes. O fato é que há uma razão pra essas crianças e adolescentes(a maioria dos casos que já vi é de crianças e adolescentes) estarem nas ruas, há uma razão pro crack estar tão acessível, e há uma razão pra ele ser a válvula de escape dessa galera...

    Se o cara chega a cometer um crime, isso acontece pq ele n teve assistência em momento algum, pq não há escolas, não há segurança... Eu sei que se eu sair depois das 23 na rua, aqui onde moro que é periferia, ~vou ver adolescentes e crianças cheirando... O que vou fazeR? As vezes fico pensando nisso...

    Cade a ronda policial? Não que resolva, mas pelo menos diminuiria a "conversão" de novos usuários, pois quase sempre os grupos de consumo são abastecidos por alg consciente, que curte isso, pra manipular os viciados pra praticarem crimes q sejam convenientes, e pra ganhar algum com a venda do crack.

    O maior problema é que raramente os crimes cometidos por viciados resultam em alguma reflexão por parte das vítimas ou da sociedade, como se encarcerar, bater, ou excluir essas pessoas da sociedade fosse impedir que mais e mais jovens aderissem a droga...

    Enfim, não sei se estou viajando... Mas acho que o uso do crack é um problema que só pode ser contornado por uma política de combate eficaz... Aí que dá vontade de chorar, pq realmente n acho q meu país seja capaz de algo assim.

    Até pq, se o governo investir em algo nesse sentido, a maioria da população vai acusa-lo de "gastar dinheiro com vagabundo". Mto triste. =(

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  2. Muitas drogas destroem, em escalas e velocidades diferentes, mas realmente, não enxergo, hoje, nada similar ao crack.

    Uma pessoa que conheço e que já experimentou várias coisas diferentes, inclusive crack, disse certa vez que a "onda" do crack é apenas querer fumar mais crack, e o principal efeito colateral imediato é a paranóia e agressividade (mais como consequência da paranóia).

    Achei isso muito assustador, pois não há prazer, apenas um circulo vicioso em torno da própria droga.

    Conheço uma pessoa que perdeu o conjuge por causa do crack. Essa pessoa hoje cria dois filhos sozinha, um deles entrando na adolescência.

    Embora hajam campanhas "educativos" para afastar especialmente adolescentes e crianças do crack, acredito que é justamente o desconhecimento do horror da droga que colabora para sua propagação.

    Outro dia vi no metrô um cartaz 'lúdico', com três garotas felizes, e os dizeres "com o crack você não estaria sorrindo desse jeito".

    Me pergunto se apenas a "negação feliz" é suficiente para conscientizar sobre uma droga tão pesada, quando mesmo com as horrorosas propagandas do Ministério da Saúde impressas atrás de caixas de cigarro temos tantos fumantes no Brasil.

    A estratégia está errada, e o crack é um problema tanto de saúde quanto de segurança pública.

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  3. Eu fico impressionado o quanto o crack rende... pensava que as pedrinhas geralmente eram de um grama, até que vi uma reportagem num telejornal local que dizia que uma mulher fora presa com um tablete de 85 gramas que, pasmem, dava pra fazer mais de trezentas pedras... daí dá pra mensurar o quanto ele é devastador... e como essas pessoas que traficam (não os aviõezinhos, mas os donos da pasta base) são conscientes do quão viciante ela é. Algo com menos de uma grama faz o cara ficar boladão (como eles próprios dizem) e farão de TUDO, absolutamente TUDO pra matar o desejo de fumar mais...

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  4. É... no fim, os usuários são usados como peões dos traficantes. Os traficantes produzem ladrões, prostitutas e td o que quiserem, de maneira mto mais rápida... E o pior, mtas crianças e adolescentes. É apavorante. =(

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