terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Do óbvio e do absurdo


foto: André Nery - Folha PE


Nos últimos dias a gente tem e deve ficar bestificado com os relatos de violência policial. Da violência policial em Pinheirinho, São José dos Campos (que muitos exaltados dizem que foi um "massacre", enquanto a PMSP, reconhecidamente despreparada - como todas do Brasil, aliás - diz que foi "brilhantemente planejada"), fato que ainda precisa ser sensatamente apurado, para termos uma noção exata do que está acontecendo (tipificar como "genocídio" ou como "limpeza étnica" não ajudará em nada, só complicará). E da violência policial contra os estudantes pernambucanos na questão dos aumentos das passagens. Mesma violência que atingiu manifestantes do Piauí e de Vitória do Espírito Santo
O principal questionamento que podemos levantar diante de tudo isso, há mais democracia, há mais repressão ou simplesmente não sabemos mais protestar? Pergunto isso pois fiz parte do movimento estudantil e sempre topei com gente meio maluca, que adorava confrontar soldados, sentir-se revolucionário ou anarquista, para lutar contra a "ditadura"... Nossos protestos perdem a legitimidade quando, ao tentarmos defender a menina que leva covardemente uma gravata arrancamos tijolos das calçadas para atirarmos nos soldados?
foto: André Nery - Folha PE

O óbvio é que policial, em qualquer lugar do mundo não encara uma manifestação como "ordeira e pacífica". Por mais "ordeira e pacífica" que ela seja, os caras estão sob tensão, porque estão preparados para que aquilo tudo degringole no caos. Então, qualquer movimento em falso é motivo para jatos d'água, spray de pimenta e outras armas "não-letais". A diferença, talvez, entre policiais estrangeiros e os nossos é a preparação; e o que vejo em muitos jovens (vivi minha vida inteira quase dentro do ambiente militar e tenho muitos amigos que são) que, ao entrar na PM, mesmo sabendo dos baixos salários e do risco, ingressam na corporação levados por um sadismo inato, fora um senso de corrupção já acoplado (se entrar num batalhão de trânsito já sabe que pode pedir propina de motoristas) que parece não ser detectados pelos psicólogos quando do recrutamento. Então, acreditem, são peças ideológicas que não reclamam das condições de trabalho, pois se há oportunidade de eles descerem porrada em "desocupado" e "vagabundo", tá tudo bem, o prazer é garantido. Parece absurdo, mas não é. Conheço um monte de gente assim.
Apesar de os nossos políticos gabarem-se tanto de terem colocado o Brasil como sexta economia do mundo, vários segmentos da sociedade simplesmente não conseguem racionalizar as questões sociais e daí que o senso comum acaba reproduzindo um monte de falácias que sempre tratam de tirar a legitimidade dos movimentos sociais. Estudante na rua? Tem é que apanhar pra voltar pra sala de aula! Sem-teto? Ah, devem ter um monte de casa, já, merece apanhar!A mesma coisa quando é um sem-terra, que só falta ser chamado de latifundiário... Canudos, a Revolta da Vacina, são exemplos esquecidos, pelo visto, da nossa eterna falta de desenvoltura para lidar com o social. Como lembrou um amigo meu, desde que Washington Luís, lá na década de 20 do século passado disse que questão social é caso de polícia, isso está tão impregnado no imaginário político brasileiro que, acredito, tal opinião ainda perdurará por muito tempo. 
Nosso senso de comunidade é diferente de outros povos, nosso individualismo é terrivelmente insano para enxergar que o bem estar do próximo é parte de nosso próprio bem estar. Assim, grande parte da classe média paulista - que apoia Alckmin e suas ações crê que todos os moradores de Pinheirinho são bandidos e oportunistas que devem ser varridos - em todas as acepções possíveis - bem como até o mais pobre cidadão recifense, atingido pelo aumento das passagens, também vai chamar os estudantes que saem às ruas de desocupados. Só nos movimentamos quando somos atingidos frontalmente, num desastre natural (por exemplo, uma vez que nunca passamos por uma guerra em nosso território), e ainda assim fazendo questão de deixar claro o nosso lugar. Isso é o óbvio que todos nós fazemos questão de sustentar. 
O absurdo é, com tanto exemplo de violência institucionalizada, e ainda nos gabamos da democracia que temos. Que democracia é essa, que faz com que elejamos continuamente aves de rapina que estão pouco se  lixando para ideologias partidárias, que servem a si próprios e a outras minorias ricas, que perpetuam ideias retrógradas, preconceituosas e falsas? 
O quanto de responsabilidade temos se numa manifestação alguém precisa de usar de violência? Quem alimenta discursos revolucionários ultrapassados e acaba dando lenha para a repressão do outro lado? Nós próprios temos de repensar nossas práticas políticas desde cedo, para não cairmos na esparrela de fomentarmos a violência de lado a lado. Assim eu acho.

5 comentários:

  1. Que covardia foi essa em? As pessoas estão perdendo a noção de tudo, principalmente da dignidade e respeito ao próximo. Parabéns pelo texto...
    Att.,
    Luks

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  2. Eu conheci alguns PM's completamente diferentes do q vc descreveu, assim como algumas pessoas de Classe Média tb... mas realmente, acho incrível como a maioria das pessoas náo percebe que coisas assim acontecem por causa do modelo político/social vigente e n pq os caras são vagabundos, aproveitadores, invasores... ou mesmo pq a polícia n presta, bla bla bla

    O fato é que, se a justiça funcionasse, se o sistema funcionasse, nada precisaria chegar a esse ponto... Não sou a favor de invasões, mas não sou a favor de tirar a pessoa de um lugar ond eela está há anos, ainda mais desta maneira... A justiça teria q ser menos lenta, mais justa...

    Mas a gt tem tolerado, tds esses problemas a gt tem deixado... E qdo esse tipo de coisa estoura, n estoura pq o cara invadiu ou pq o estudante quer causar, estoura pq tds fomos omissos... =(

    N sei se to viajando, mas isso q fiquei pensando... Cada um de nós fez sua parte pras coisas terminarem desse jeito triste, do jeito triste q terminam tds os dias... =(

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  3. O xis da questão é justamente esse: das práticas políticas... como é que um bairro consolidado, urbanizado, que recebeu atenção da Prefeitura (imagino que nas duas últimas eleições municipais Pinheirinho deve ter sido bem visitado), é destruído, de uma hora pra outra, quando o coletivo, deve ser posto acima do interesse particular? Isso é o que mais me deixou indignado, porque, no mínimo, se eu fosse morador de lá, teria me sentido traído. Agora, se as instituições funcionassem, e as pessoas não fossem tratadas como meros joguetes eleitoreiros, Pinheirinho nem deveria ter sido erguido, porque, se a área era particular, em momento algum o Poder Público deveria ter permitido o seu surgimento, e ainda mais sua consolidação... Guardadas as devidas proporções com o que tá acontecendo no Recife, houve a promessa, houve o descumprimento da promessa e o pessoal que tá protestando tá levando relâmpago na cabeça como se tivessem de entender na base da porrada que foram sacaneados...

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    1. Não li nada a respeito das outras cidades, mas na qualidade de quem ficou no meio do fogo cruzado[entre pedras e balas de borracha] em frente da Faculdade de Direito na sexta-feira última, 20/01/12, e viu tudo do começo, me sinto no direito de ficar indignada com ação dos estudantes aqui em Recife esses dias... e mais! Afirmo que a truculência não partiu da polícia, pelo menos dessa vez.

      Não vou entrar no mérito do certo e errado aqui, mas não acredito que um protesto no mínimo decente seja feito por manifestantes encapuzados, que põem em risco a vida de quem nada tem a ver com a história e destroem o patrimônio público e o privado, como fizeram esses tais...

      O mais absurdo de tudo é, tanto auê por esse já previsto, aumentono valor das passagens (que foi de 6,5%. Na verdade 7% por causa do arredondamento) e os rebeldes sem causa nada fizeram a respeito do aumento de mais de 60% no auxilio combustível dos vereadores aqui da capital pernambucana...

      "[...]simplesmente não sabemos mais protestar?" Nem nem pelo que protestar?

      - é, acho que não.

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  4. Eu vou usar uma velha frase que minha avó vivia dizendo, e ela tem toda razão: "Respeito se conquista com respeito". Não adianta.

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