quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Minhas picuinhas penais.



Um advogado assassinado, misteriosamente. Nada foi roubado e ele não tinha passagem pela polícia. Levou 20 tiros.

Eu não sei o que esse advogado deve ter feito e se o crime tem a ver com a profissão, mas essa notícia me deu uma abertura para falar coisas que eu gostaria expor. 

Durante a faculdade, dizem que nós, advogados, namoramos com o Direito Penal. Mas casamos com o Civil. Todos diziam isso e eu não acreditava: “Quando me formar quero ser criminalista. Vou defender os direitos humanos de alguns presos e vou defender quem realmente for inocente.” É difícil achar alguém realmente inocente. Nessa época, eu era a inocente. Num país como o Brasil eu não teria coragem de advogar em matéria penal por vários motivos.

Se eu for defender o estuprador, eu não tenho princípios... ou seja, o cara estuprou, merece ser linchado na cadeia, merece ser abusado pelos policias e colegas de cela, merece o inferno – essa é a visão da maioria das pessoas. E eu tenho asco do estuprador também, porém ele tem que pagar pelo que ele fez de forma justa. Injustiça por injustiça e o mundo não mudará nunca. Eu defendo o estuprador, não pelo que ele fez, o defendo nos direitos que são garantidos por uma Constituição que é a representação da vontade do meu povo. Fim de papo. Só que é um fardo muito grande para carregar: defender estupradores, Nardonis, Lindembergs. Não seria uma defesa para inocentá-los, afinal, aqui se faz, aqui se paga... mas ninguém entende isso. E provavelmente, ninguém me contrataria: querem que o advogado seja do Diabo, faça-os inocentes. Não trabalharia desta forma. Eis meu primeiro desgosto com a área do crime.

O segundo é o sistema prisional. Eu preciso realmente tocar neste tópico? Vou tentar resumir em algumas palavras e você faça seu próprio juízo: Precariedade-desesperança-corrupção-crime-lesão-“irrecuperação”. Pronto. Eu não acredito no sistema carcerário brasileiro. Se você acredita, boa sorte.

E “mexer” com “gente do narcotráfico”? Estou fora.

Aí, vem uma outra coisa complicada: a pessoa que te contrata. Olha, tem que ter estômago para atuar na área criminal. E coragem. Porque, se você der um passo em falso, sua vida pode ir para o saco: você fica em contato demais com gente errada, com coisas erradas, com climas errados. Tem que ser forte para aguentar as pancadas. Um amigo meu, esses dias, advogado, recebia ligações do presidiário. Sim, de dentro da prisão o cara ligava para meu amigo querendo pegar os dados pessoais para “fazer negócios” de dentro da prisão. Negócios errados, claro. E meu amigo não o atendia, pelo menos até aquele momento.

Eu te pergunto: você teria coragem de manter relações, mesmo que sejam estritamente profissionais, com pessoas que você não tem certeza se teria relações estritamente profissionais com você?

Eu não tenho essa coragem.

Aí eu leio essa notinha no jornal e fico relembrando dos advogados que morrem com cinco tiros na cara por aí, por aqui, e que ninguém sabe o porquê. Para mim, advogados sabem demais. É esse o grande problema.

Eu sou muito sincera: não consigo lidar com essa matéria. Eu, com a minha personalidade, não levo jeito para isso: minha vontade – e meu caminho – tem ido no sentido de trabalhar com leis e com a efetividade da Justiça Brasileira. Quero ficar lá nas repartições, mas trabalhando, movimentando a máquina judiciária que está passando da hora de ser renovada.

Pois é, namorei muito com o Direito Penal.

Mas casei com os concursos - nenhum dessa área.


Ps.: A minha ideia não é querer desestimular os que atuam na área penal, mesmo porque minhas opiniões são opiniões pessoais, não são verdades absolutas, as formulei a partir de minha vivência, talvez pouca ainda. Inclusive, eu dou parabéns para quem atua nessa área e consegue ter jogo de cintura em todos os aspectos que eu mencionei, que foram baseados nas histórias que vi, ouvi e vivi.

8 comentários:

  1. Caramba Helen

    Gostei muito desse texto. Mesmo escrevendo de coração aberto você conseguiu expor as situações com lucidez.

    Para Mahtma Gandhi a verdadeira função do advogado é ajudar o juiz a conduzir o julgamento da forma paralela com a verdade. E, quando você fala em garantir direitos de quem seria apredrajado em praça pública.

    Injustiça por injustiça? Não! =D

    parabéns

    Bjuuus

    End Fernandes

    ...

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    1. "Para Mahtma Gandhi a verdadeira função do advogado é ajudar o juiz a conduzir o julgamento da forma paralela com a verdade."

      Adorei isso...

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  2. Que belo texto. Junta desabafo, realismo e ensinamento, ao país em que vivemos.

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    1. Renato ;D valeu! Foi um desabafo que eu precisava publicar...

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  3. Adorei o texto. Fiquei pensando... Eu namoraria o penal e casaria com o tributário... rs

    Afinal, alguém tem que nos defender do governo e da receita federal também. =P

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    1. Verdade, né?

      Não tinha pensado nisso...

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    2. O problema é que advogado tributarista acaba parando no JN, de algemas e tudo... kkkk

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    3. Aí voltamos para as minhas picuinhas. É um círculo vicioso... haha

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