terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A Noite dos Tambores Silenciosos

Da página do Carnaval do Recife


Quis o destino que a postagem da Terça-Feira Gorda coubesse a mim... Então, vamos lá.
Depois de alguns anos como figurinha carimbada nos carnavais do Recife e de Olinda, a minha carnavalesca já foi pro beleléu e poucas coisas já chamavam-me a atenção. Afinal, há um momento em que todo o caos e a balbúrdia dos dias momescos enche o saco e aquele anjinho chato do bom senso fica dependurado na sua orelha, lembrando das vantagens de comer e beber em casa, sem ter de passar por aquela multidão suada, sacolejando ao som de Vassourinhas e ainda sofrendo pra voltar pra casa.
Ainda assim, em meio à mesmice das reportagens de fevereiro (ou março, dependendo do ano), mostrando a plebe fantasiada seja nas ladeiras de Olinda ou nas avenidas paulistanas e cariocas (enquanto a baianada - ou os turistas - brincam o seu carnaval padronizado de abadás) há determinadas coisas, notadamente no carnaval pernambucano que chamam a atenção. Seja o encontro dos maracatus de baque solto, em Nazaré da Mata (ou o famoso maracatu rural - dos famosos caboclos de lança), mas principalmente a Noite dos Tambores Silenciosos, que sempre acontecem na madrugada da segunda de carnaval para a terça-feira gorda.
Proibida mesmo após a Abolição, os ritos negros costumavam reunir-se em frente à Igreja de Nossa Senhora do Terço dos Homens Pretos (o Pátio do Terço, no Bairro de São José, onde, logo adiante encontramos o monumento ao maracatu, sempre acontecia às homenagens à Virgem do Rosário, padroeira dos escravos), para relembrar as coroações dos antigos reis negros que foram escravizados. Depois, ainda na década de 30, por determinação de Vargas, tais encontros eram duramente reprimidos.
Somente em 1965, por iniciativa do jornalista Paulo Viana, é que tais encontros, que reúnem ao menos 26 nações de maracatus (que estão relacionadas, principalmente, às comunidades quilombolas ou à centros de umbanda e candomblé), para homenagear a religião afro-brasileira e todos os negros que morreram sob o jugo da escravidão. O Pátio do Terço é estreito, mas ainda assim ao longo do trajeto mais ou menos 25mil pessoas se aboletam para assistir a reunião.
Não é necessariamente um evento carnavalesco, mas sim um evento que acontece no carnaval, porque era justamente nessa época em que se permitia aos escravos uns poucos momentos de lazer. O cunho religioso do encontro fica mais evidente à meia-noite, quando as luzes das ruas são apagadas e somente sob à luz de tochas, os babalorixás fazem uma prece aos orixás e então todos os tambores se calam, em respeito aos negros mortos. Solta-se várias pombas, para pedir a benção aos antepassados e depois do ritual a festa recomeça.
Fui à várias Noites dos Tambores Silenciosos e a energia que brota de tal encontro é incomparável. Serve como uma espécie de "descarrego" para o retorno à vida cotidiana, e para aproveitar os dois últimos dias de carnaval. Quem for de fora e um dia interessar-se em vir ao carnaval do Recife, não deixe de ir, é tudo muito lindo. 

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