sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Zumbis do consumo


Há algum tempo em que se vem alardeando com mais ou menos força a recuperação econômica do Nordeste, notadamente Pernambuco, que penou vergonhosamente ao longo, pelo menos, dos oito anos do governo FHC (mesmo com o vice-presidente, Marco Maciel, sendo pernambucano), que achava que o Nordeste acabava na Bahia. Montadoras como a Fiat, um estaleiro de grande porte, uma refinaria entre outras empresas de base vieram para cá, como sempre atraídas pela velha combinação "incentivos fiscais oficiais + mão-de-obra barata" e de alguma forma recuperaram a combalida economia pernambucana, apesar da desigualdade social ser ainda aterrorizante.
Ainda assim, fiéis às tradições megalomaníacas da fina flor da elite local, que acha que estamos em uma espécia de Paris, ou Amsterdã tropical (ah, a velha nostalgia que diz que se fôssemos colonizados por holandeses seríamos melhores - e esquecem-se de um Suriname logo ali...), quando na verdade estamos numa Miami meio Jakarta com espigões de sessenta andares recobertos com azulejos de banheiro (como diz um articulista local), - que todos acham très chic, imagina-se que tal desigualdade é de menos, e como todo bom novo rico que se preza, o negócio é esbanjar.
E tal esbanjamento se materializa não somente nessa desigualdade sempre segregadora, mas também no próprio planejamento urbano (ou na falta dele): viadutos sem passarelas para pedestres, a ausência total de ciclovias, a opção equivocada em um transporte público ultrapassado e antiecológico (ônibus e mais ônibus, ao invés de veículos sobre trilhos, por exemplo) que ferra com a qualidade de vida que se pretende vender por aqui, sempre uma justificativa para quem, de outras áreas do Brasil, vem para cá. Isso sem contar a especulação imobiliária feroz, que eleva ao ponto do absurdo o valor do metro quadrado baseado na velha conversa "oferta/demanda".
Pois então. A falsa ilusão de "milagre econômico", somada àquela velha arrogância de que é preciso investir e de que com isso "novos empregos" devem surgir, fazem com que o setor de comércio e de serviços aqui, claro que a vocação natural da cidade do Recife, exploda a níveis estratosféricos, que você se pergunta se as coisas aqui realmente acontecem ou é sonho (pesadelo em alguns casos) que logo se dissipa. Há alguns anos, na área antiga da cidade lançou-se a ideia de um "Shopping Classe A", no antigo prédio histórico da Alfândega Portuária, que logo mostrou-se equivocada e deficitária, ancorando-se o tal shopping na sua praça de alimentação e numa famosa cadeia de livrarias. Por isso, a tal "classe A" recifense ficou necessitada de um espaço só seu, uma vez que o "maior shopping da América Latina", o Shopping Recife (nas ufanistas frases dos locais) já havia sido tomada pela "ralé" (detalhe, quase todos os shoppings daqui se localizam em áreas que foram tomadas à comunidades carentes, como o próprio Shopping Recife, que ao seu lado tem a chamada comunidade "Entra Apulso"). Aqui, os shoppings são recebidos como um simulacro de tudo que a cidade em si, leia-se poder público, não oferece. Então é um espaço de refúgio no qual certas parcelas da sociedade adoraria tão somente para si. É o caso do mais novo centro de compras daqui, o RioMar. Construído numa área belíssima da cidade, a Bacia do Rio Pina, onde outrora era uma fábrica de rum e de vodka (preferia que tivesse permanecido a fábrica), em área de proteção ambiental (e sabemos o quanto os poderosos fazem ver que o progresso é superior à ecologia) onde escorraçaram centenas de caiçaras que ali viviam geração após geração exercendo o ofício da pesca...
Aí só podemos ter a certeza de que uma sociedade que acha melhor um centro de compras do que um parque ou melhorias efetivas na arquitetura urbana é doente. E o mais engraçado de tudo é que a tal elite, que imaginava que o local seria restrito só para si, vê o povão, não tão endinheirado, mas alimentado por esse monstro que se chama crédito, está lá, impávido, marcando presença. Afinal empresário gosta é de lucro e não importa de onde ele venha.
Gosto de comprar, meus ideia de comunismo morreram ainda na oitava série, mas sempre procuro ser um consumidor responsável. A atual prática de consumo é irreal, absurda, criminosa. As gerações futuras vão levar em conta a empregabilidade e a praticidade, na esteira de que conhecimento demais é atraso de vida. Ninguém vai mais para a Universidade para ter esse conhecimento universal, como se diz por aí, virou comércio imoral de diplomas. Feliz aquele que foge a isso. 
Por isso que penso na imagem emblemática que ficou dessa inauguração do shopping, que vemos aos montes nas liquidações de começo de ano no Brasil inteiro, é esse desespero surreal em comprar. Isso acho deprimente. E só me faz lembrar do discurso do presidente do Uruguai, Pepe Mujica na conferência Rio +20, que acho que é algo que todos devem ver e meditar sobre.

Vídeo do povão invadindo o Shopping Rio Mar, aqui

Discurso de Pepe Mujica, aqui.

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