domingo, 11 de novembro de 2012

Os Limites da "Comédia"


Médico que "receitou" cadeados vai ser processado

A arrogância é uma das mais degradantes doenças da alma. Fica ainda mais horrorosa a cena de uma arrogância quando encapada por um humor pobre, uma comedinha pseudo-sarcástica que enuncia somente um extremo mau caráter. 

O médico receitou "cadialina", recomendando à paciente o uso de seis cadeados como forma de perder peso,(...)  colocados 'na boca, geladeira, armário, freezer, congelador e cofre', essa piadinha medíocre, com grandes possibilidades de ser fundamentada em preconceito e racismo. Um comportamento característico do covarde, do pedante, dos almas-pequenas. Aproveitando-se da possível ignorância e condição financeira da paciente, - da pessoa por quem, dentre outras que lhe fossem pedir a assistência médica - ele vai ao extremo da piadinha e usa um documento, a prescrição médica, para formalizar a mediocridade que lhe foi inata (ou adquirida com o meio e com as suas referências intelectuais e comportamentais). 

Suponho que seja uma piada de uso comum. E, pasmemos, poderia ter sido empregada por ele de forma bem mais tranquila, já que ele não deve ter aguentado segurar a oportunidade de, digamos, sacanear a paciente. 
- Olha, senhora Adriana, sua situação está séria. Você tem que se cuidar. Faça uma dieta, controle sua ansiedade, é urgente que tenha que fazer a operação. Caso contrário, terá que tomar "cadialina".
- Cadialina doutor? É muito caro este remédio?
Aí, com uma risada amistosa, ainda que em momento impróprio, o médico falaria:
- É, cadeado na boca, na geladeira... hehehehe
- Ai, doutor, assim você me mata de susto! hehehehe

Dentre as muitas causas, tanto subjetivas como objetivas, que tenham originado este comportamento, um misto de bacharelismo e exaltação ao pedantismo, no modelo de ensino ainda vigente, é o que posso destacar. 

Diversos são os casos semelhantes e muitos aqui devem ter também suas experiências com algo parecido. Cito, portanto, dois: 1) Estudantes de Medicina caçoando pacientes humildes, semi-analfabetos, por não saberem pronunciar nomes de doenças que eles só tiveram contato quando começaram a estudar. 2) Professor de Sociologia de uma escola municipal, movido por fúria, declama à turma que todas as meninas não passariam de envergonhadas "trabalhadoras em casa de família". Uma delas, além de inteligente, sagaz e prestativa, diz que trabalhava em uma casa de família (por circunstâncias que não interessa a ninguém) para ajudar a família e não se sentia envergonhada. Ao que o dito professor replica; "Ora, você, com este rostinho lindo, está pobre porque quer!". 

Todas as consequências dessas atitudes arrogantes, por mais que pareçam pequenas dentro da "tragédia mundial" podem engendrar uma tragédia bem maior. Voltemos à cadialina, e imaginemos se a mulher acata a receita do médico e, antes de ser avisada na farmácia de que aquilo era uma brincadeira de mal gosto, ela pusesse mesmo os cadeados onde o médico lhe ordenara? 

Não bastasse tudo isso, continuou com as farpas de ódio sobre a paciente e à família. Não deu explicações a ninguém senão a uma rede de televisão com a desculpa de ter usado linguagem figurada. Não, não foi isso.
"Além disso, o médico afirmou que Adriana teria problemas psicológicos e compulsão por alimentos". Quer dizer: "a culpa é dela; este caso já não é mais comigo e que morram todos de sua laia." 

O médico pode "estar passando" por diversos problemas também, pode ser uma pessoa idônea e de conduta ilibada, bom pai de família, ajuda a diversas pessoas etc. Mas jamais poderia agir assim no exercício de sua profissão. 
Itaipava, Petrópolis, 11 de novembro de 2012.
Thiago Quintella de Mattos

4 comentários:

  1. Existem vários Houses na vida real.....tanto na medicina quanto na vida.

    Uma pena que a ficção seja muito próximo da realidade ,nesse caso.

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  2. Pois é Renato. Mas o House chegava na moral, para o bem, mandando ver. Esse aí, pelo que foi relatado, foi, como dizia Balzac: demi-escrote! hehhehe!

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  3. Ao que o dito professor replica; "Ora, você, com este rostinho lindo, está pobre porque quer!".

    Isso não é um educador.

    Quanto ao médico confesso ter acompanhado o caso muito superficialmente. Sei que a Fundação José Silveira andou envolvida num esquema esquisito de licitação com a secretaria de saúde da Bahia. Parece ser uma instituição séria, mas vamos ver no que dá tudo isso aí.

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  4. Mestre Jaime. Aquilo daquele professor é mote para mais uma longa carta.

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